O Amor não é Democrático*

Novos Fados
Desta vez não foi fácil escolher o tema da crónica. Não tanto pela falta de assunto, mas mais pela quantidade deles.
Desde o não caso das escutas, à atabalhoada comunicação do Presidente da República ao País, passando pela vitória tangente do PS, e responsabilidades acrescidas que o voto popular ditou ao parlamento nacional. Já para não falar, nesta semana, dos casos da campanha autárquica e vergonha que não deixa de existir ao ver formigar pelos boletins de voto de tantos municípios, candidatos a contas com importantes processos judiciais, isto sem falar dos que até já condenados foram. Enfim um mundo.
Conduziu-me no entanto, a vontade para um assunto diferente.
Comemora-se por estes dias 10 anos sobre a morte da Amália. A tal, que muitos afirmam sem pudor, ser a maior fadista de todos os tempos. A efeméride recheou-se de iniciativas. Na televisão as reportagens e filmes biográficos encheram os programas. Na rádio ouviu-se “A Gaivota” como nunca antes, versão original e projecto Amália. Nos museus nasceram exposições para todos os gostos, desde os vestidos às partituras. Se foi cantado, vestido ou tocado pela Amália é espólio a conservar.
Desengane-se contudo, desde já, o leitor, que pensa que o motivo da escrita desta crónica sobre a defunta, decorre dum gosto maior pela intérprete ou pelo género musical. Longe disso!
Na realidade pertenço, ou talvez tivesse pertencido, àquela pequena franja de nacionais que não se movem pelo cantar popular. Houve mesmo momentos da minha vida, em que obrigada pelo dever profissional, agonizava em silêncio durante horas, enquanto os grupos internacionais que acompanhava se deliciavam a ouvir o pranto cantado dos fadistas do Bairro Alto, emocionando-se sistematicamente com o poema, que não entendendo lhes atacava forte a alma.
Nos últimos anos contudo, sinto que algo se mudou em mim. Não sei se fruto da idade ou das vivências que inegavelmente vão deixando marcas, a verdade é que agora dou por mim mais atenta à mensagem do poema. Susceptível ao lamento melancólico de cada fado. Ao tocar sentido das guitarras. Ouvir, por exemplo, o “Povo que lavas no rio” cantado pela Amália (para mim uma das mais extraordinárias imagens do filme com o mesmo nome) é o mesmo que pedir pela mais comovente cena de filme trágico. Faço no choro, jus ao nome da minha filha mais velha.
Durante algum tempo, andei desconfiada que isto era coisa que me acontecia só naqueles dias do mês. Afinal, sou daquele tipo de mulher, que durante, pelo menos 5 dias, perde a batalha das hormonas, deixando-as andar assim em ritmo de pomba gira. Espalhafatosa e rabugenta. Um mimo, asseguro-vos!
Mas contra vontade, lá tive de admitir que ou tinha passado a ter períodos menstruais de 30 dias, ou talvez realmente algo de diferente se estivesse a passar comigo.
O choque maior veio ainda mais recentemente. Num súbito fascínio pela personagem da Carminho, dei inexplicavelmente por mim a correr as prateleiras organizadas da FNAC, na zona dos fadistas e cantantes nacionais…à procura do cd da moça. Foi o pavor! Juro-vos que quando voltei a mim senti o suor frio a escorrer pelas faces.
E então porquê escolher Amália como tema central da crónica, perguntam aqueles, que resistentes, se aguentaram a ler o texto até aqui.
Porque, meus amigos, isto anda a dar cabo de mim, e preciso de respostas. Respostas claras e responsáveis.
Afinal é preciso ser crescido para aprender a gostar do Fado?

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2 comentários:

Van disse...

Bela crónica, parabéns :)

M. disse...

Obrigada, mas acho que estás a ser generosa.
Beijinhos