Tráfego Matinal
Pararam no sinal vermelho. Saem do carro em quase total sintonia de movimentos. Cruzam-se com a indiferença fria dos casais. Não se tocam. Nem mesmo com o olhar. Cruzam-se como se de dois estranhos se tratassem. Evitam assim o beijo breve que nenhum deles deseja, bem como as palavras de ocasião que já não lhes interessa partilhar. É evidente o desapego. Ela entra no carro e acende as luzes que a claridade do dia já não justifica. Ele atravessa a estrada, seguindo o seu caminho sem que nada o perturbe. Abre o sinal. Verde. Seguir em frente. Ela arranca com o carro. Passa junto a ele. Não lhe buzina, nem lhe acena. Dois estranhos como tantos outros numa manhã de Lisboa.
Ele olha o vazio, enquanto caminha, pouco interessado no rumo que leva a parte da vida que segue estrada fora. Por umas horas ele será certamente só ele, e ela … ela será a infeliz que é com ele porque às mulheres raras vezes é permitido serem somente.
Mais logo voltam a estar juntos novamente, no mesmo trajecto de desapego daquela manhã. O mesmo da vida inteira.
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