O fim último da vida não é a excelência !*

“Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê.
Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.
Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito.
É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho. Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos.
A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima.
Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!”
João Pereira Coutinho
*Recebi hoje este texto por e-mail, e fiz ligação imediata a última sessão da Escola de Pais do Infantário das minhas filhas, e às (mal geridas) expectativas que os pais (genéricamente) fazem para a vida dos filhos. Dou-me, ao ler, ao grato prazer de constatar que fujo (uma vez mais) ao comum, e que tal como diz o N. espero, sinceramente, que as minhas filhas repitam, ainda que à sua maneira, os mesmos erros, que apesar de tudo, me fizeram hoje ser quem sou, sem precisar da prole para realizar as aspirações mais profundas do meu egocentrismo.

2 comentários:

Bruna Price disse...

Concordo plenamente! Amor nao deve ser contabilizado pela quantidade de sucessos que os nossos filhos fazem reflectir em nós e nas nossas "excelentes" capacidades enquanto pais. Amor é incondicional e nao tem preco. Egocentrismo é uma praga que rege o mundo... :(

M. disse...

Bem vinda, amiga!
Gostei muito de te ler e de ver que partilharmos esta opinião. É lamentável algumas das coisas que se vêem por aí.

Beijinhos