Não fora este meu incrível mau feitio

e hoje era gaja ... perdão, era senhora gaja, para estar a comemorar o facto de ser o Dia Internacional da Mulher. O problema é mesmo este meu mau feitio, que me traz frequentes dissabores, e a incapacidade de rejubilar com as mesmas coisas que a maioria dos mortais.
O facto é que desgosto profundamente do Dia Internacional da Mulher. Acho incrível e desprestigiador o mero reconhecimento da sua existência.
Ora tudo começa pelo nome que dão à coisa. Reparem que não se celebra o Dia Internacional das Liberdades e Direitos Femininos ou o Dia Internacional das Igualdades, ponto. Celebra-se o Dia Internacional da Mulher, tal qual o Dia Internacional de qualquer espécie em vias de extinção. Celebra-se o reconhecimento de que mais de metade da população global não disfruta diariamente dos direitos que lhe assistem (ênfase no "mais de metade"). Durante os restantes 364 dias do ano, isso parece ser pouco relevante, mas no 8 de Março, glória, glória, vivam as mulheres. E isto dá-me espécie!
Depois, surge também o problema político inerente a estas comemorações. Nos países ocidentais e pretensamente civilizados, sendo as mulheres uma maioria com liberdade de voto, instituiu-se um "bora lá" fazer o reconhecimento da "espécie" e inserir quotas que garantam a estas "lindas" poderem circular pelos lugares de topo da nossa política e administração pública. E sim a escolha de palavras não é inocente. O problema das quotas, e não duma sociedade aberta e disponível para os direitos e liberdades das mulheres enquanto Seres Humanos que são, uma sociedade que reconheça a visão feminina da política e da administração, com respeito pelas diferenças, é o de frequentemente abrirem espaços para mulheres que não estão preparadas para os cargos que ocupam. Não porque são burras ou incapazes, mas porque não fizeram o percurso político e social que lhes permitiria chegarem aquele mesmo lugar com uma voz assertiva, e mais ainda com uma voz que é a sua. Assim, e salvo rarissímas excepções, o que o brilhante sistema de quotas nos oferta são tristes exemplos que ao invés de engrandecerem, colectivamente, as Mulheres, dão "borlas" àqueles, e desenganem-se, àquelas, que continuam afirmar que o lugar da Mulher é em casa e a cuidar dos filhos.
Mais uma vez nada, ou praticamente nada, se faz em prol desta mudança de mentalidades. Nada se faz para que as mulheres tenham a liberdade de escolher ser ou não mães, sem que isso as prejudique na progressão da sua carreira. Porque pode-se ser uma excelente mãe e uma excelente profissional, é preciso é que o sistema, os nossos parceiros do sexo masculino, e o mercado de trabalho entenda as diferenças dos géneros, e não nos tente formatar para uma mentalidade que não nos pertence, e vamos lá a ver, não tem trazido à Sociedade garantias de grande sucesso.
Por outro lado, há que fazer entender a Sociedade que há mulheres que simplesmente não querem a maternidade, não estão para aí viradas, e isso não pode nunca ser entendido com uma deformação de personalidade ou de caracter. Niguém se choca com um Hhmem que afirme sem pudor exactamente o mesmo! Porque é que no caso feminino isso causa transtornos maiores?!
O que é preciso é abrir, de forma efectiva, e não através de mecanismos ficcionários, as portas do exercício da Cidadania à diferença feminina. E não tenhamos medo de a afirmar, de fazer dela uma marca. Uma marca que não é nem melhor, nem pior do que a marca masculina, é C-o-m-p-l-e-m-e-n-t-ar! O mundo só tem graça nas diferenças e nas complementariedades. O resto não passa dum imenso cinzento. E quando digo à diferença feminina, acrescento à diferença negra, asiática, aos cristãos, aos ateus, aos muçulmanos, etcetera, etcetera, etcetera. O que temos é que colectivamente abrir espaço à diferença, e respeitá-la.
É por estas singelas razões, e muitissimas outras que nem 1000 páginas de blog acolheriam, que me levam afirmar que desgosto profundamente destas comemorações.
Prefiro que me respeitem, amem e adorem nos restantes 364 dias do ano.

3 comentários:

Infoexcluído disse...

Concordo, subscrevo e sublinho.
Um pouco mais de justiça, bom senso e integração para todos, todos os dias, valem mais que 1.000.000 de dias da mulher, ou qualquer outro.

Unknown disse...

Grande texto. Inflamado. Brilhante. Beijinhos

M. disse...

Obrigada Susana.
Beijocas